terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

Laissez-faire

(realmente, deve ser vontade de fugir, mas fugir para onde?, mais, fugir do quê?, do nada e de tanta coisa, tudo tem um só nome, o meu, afinal, passado pelos deveres, que venham os prazeres, então, que prazeres?, tudo tem um só nome, o meu, e ponto final, sem sobrenome, bastardinhos que odeio com todo o meu mítico amor maternal)

arte-burocracia-burocracia-arte – e o que é que a gente faz quando as coisas acabam se misturando?, pior, o que é que a gente faz quando um dos lados acaba predominando?, pior ainda, o que é que a gente faz?

Sinopse muito pessoal de O mercador de Veneza:

Esquecida do Shakespeare, entro sem saber ao certo, início meio perdido, culpa da bolacha de baunilha e chocolate,

Al Pacino

e

Jeremy Irons,


que Joseph Fiennes, que nada, mas bem que poderia ser o Ralph Fiennes, idéia idiota surgida agora, nada a ver com o filme, não resisto, um elenco muito pessoal de uma refilmagem hipotética de algo só por isso já melhor que onze-homens-e-um-segredo, como eu viajo, voltando a veneza, tantos caminhos pelos quais se perder, as falas ou as legendas, o drama ou a comédia, a única certeza é a do chumbo, culpa do anel de ouro e turquesa, final meio perdido, saio sem saber ao certo, esquecida do Shakespeare.

(para não dizer que não falei dos podres, como é que alguém pode ler e/ou ouvir o monólogo abaixo e continuar achando que se trata de uma obra “anti-semita”?)

(Shylock) He hath disgraced me, and hindered me half a million, laughed at my losses, mocked at my gains, scorned my nation, thwarted my bargains, cooled my friends, heated mine enemies. And what's his reason? I am a Jew. I am a Jew. Hath not a Jew eyes? Hath not a Jew hands, organs, dimensions, senses, affections, passions? Fed with the same food, hurt with the same weapons, subject to the same diseases, healed by the same means, warmed and cooled by the same winter and summer, as a Christian is? If you prick us, do we not bleed? If you tickle us, do we not laugh? If you poison us, do we not die? And if you wrong us, shall we not revenge? If we are like you in the rest, we will resemble you in that. If a Jew wrong a Christian, what is his humility? Revenge. If a Christian wrong a Jew, what should his sufferance be by Christian example? Why, revenge. The villainy you teach me, I will execute, and it shall go hard but I will better the instruction.

[(Shylock) Ele me desgraçou, e me dificultou meio milhão, riu das minhas perdas, tirou sarro dos meus ganhos, desdenhou a minha nação, impediu as minhas barganhas, esfriou minhas amizades, esquentou minhas inimizades. E qual é o motivo dele? Eu sou judeu. Eu sou judeu. Judeu não tem olhos? Judeu não tem mãos, órgãos, dimensões, sentidos, afeições, paixões? Alimentado pela mesma comida, ferido pelas mesmas armas, sujeito às mesmas doenças, curado pelos mesmos meios, aquecido e resfriado pelos mesmos inverno e verão que um cristão? Se nos picam, não sangramos? Se nos fazem cócegas, não rimos? Se nos envenenam, não morremos? E se nos ofendem, não nos vingamos? Se somos como vocês no resto, nós nos pareceremos com vocês nisso. Se um judeu ofende um cristão, qual é a humildade deste cristão? Vingança. Se um cristão ofende um judeu, qual deve ser, pelo exemplo cristão, o favor deste judeu? Ora, vingança. A vileza que vocês me ensinam, executarei, e isso será difícil, mas aperfeiçoarei as instruções.]


Há um bocado de falas que gostaria de citar, amor, ódio, certo, errado... Fico com uma que me chamou a atenção por me lembrar do antigo significado de dividir a mesa com alguém:

(Shylock) I will buy with you, sell with you, talk with you, walk with you, and so following. But I will not eat with you, drink with you, nor pray with you.

[(Shylock) Eu comprarei com você, venderei com você, falarei com você, caminharei com você, e assim por diante. Mas eu não comerei com você, beberei com você, nem rezarei com você.]


(e deixo o tal elenco muito pessoal de uma-refilmagem-hipotética-de-algo-só-por-isso-já-melhor-que-onze-homens-e-um-segredo para um outro post, aguardem)

(créditos: eu, perdida entre William Shakespeare e Michael Radford)