sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

É melhor viver


Amigo (muito obrigada, Chico) de passagem pela cidade, cinema e DVDs combinados pelo MSN, o horário descarta Os Produtores, sugestão minha, sugestão dele, o documentário sobre o Vinicius. O horário, de novo, e esbarramos no King Kong, mas, salvos por uma ausência, devoramos hora e meia em livros e pastéis. Vinicius, enfim. Muxoxo contido no início (Camila Morgado?...), risada aberta no final (que, não, não vou estragar). Lembranças (Fernanda, seu poeta!, Leonardo, sua cantora!, Cristina, sua música!, Pessoal, nossos trabalhos!, seu livro de que me apoderei, Mãe!, Meninos, nossas aulinhas!) e encontros (o Marchezan e a Marchezan, minha pós, minha graduação) ao acaso. Tanta coisa que não sei. Tanta coisa que posso aprender.
Cito do filme,
Amigo você não faz, amigo você reconhece.

Cito de um livro,

A homenagem foi simpática, mas no meio daquilo tudo comecei a ser tomado por uma sensação estranha. Aqueles rapazes todos que estavam ali, cada um com a sua personalidade própria - João gostando de romance Lolita, Pedro detestando; Luís preferindo mulatas, Carlos louras; Francisco acreditando em Karl Marx, Júlio em Jânio Quadros; Kimura preferindo filme de mocinho, Giovanni gostando mais de cinema francês - já não os tinha visto eu em outras circunstâncias, em outros tempos? Aquele painel de rostos desabrochando para a vida, aqueles olhos sequiosos ao mesmo tempo de amor e de conhecimento, não eram eles o primeiro plano de uma imagem que ia se perder no vórtice de uma perspectiva interminável, como num jogo de espelhos? Atrás de cada uma daquelas faces não havia o fotograma menor de outra face, como ela ávida de saber o porquê das coisas, e atrás dessa outra, e mais outra, e outra ainda? (...)

Qual daqueles moços seria um dia ministro? Qual seria assassino? Quem, dentre eles, trairia primeiro o anjo de sua própria mocidade? Qual viraria grã-fino? Qual ficaria louco?

Tive vontade de gritar-lhes: "Não acreditem em mim! Eu também não sei nada! Só sei que diante de mim existe aberta uma grande porta escura, e além dela é o infinito - um infinito que não acaba nunca! Só sei que a vida é muito curta demais para viver e muito longa demais para morrer!"

Mas ao olhar mais uma vez seus rostos pensativos diante da canção que lhes falava das dores de amar, meu coração subitamente se acendeu numa grande chama de amor por eles, como se eles fossem todos filhos meus. E eu me armei de todas as armas da minha esperança no destino do homem para defender minha progênie, e bebi do copo que eles me haviam oferecido, e porque estávamos todos um pouco emocionados, rimos juntos quando a canção terminou. E eu fiquei certo de que nenhum deles seria nunca um louco, um traidor ou um assassino porque eu os amava tanto, e o meu amor haveria de protegê-los contra os males de viver.


(trecho extraído de) MORAES, Marcus Vinicius de Melo. "Os Politécnicos". In: ______. Para viver um grande amor. 13a. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. p. 142-143.
Que nos resta, a não ser, gratos, hereges, tomar-lhe a bênção?