quinta-feira, 18 de maio de 2006

Caring - ou Do nariz como limite do mundo

acordar, quase no fim da tarde, é verdade, mas acordar, acordar e pensar, puxa vida, parece que eu tô melhor, melhor ainda, parece que o tempo tá melhor, uma daquelas pequenas maravilhas geralmente tão injustiçadas, sabe como é, a gente só dá valor a certas coisas quando, ver o final da vitória do Barcelona sobre o Arsenal junto com o daddy, já que o corpo ainda não permite muita coisa além disso, e me lembrar do meu dear English teacher, although he said he does not support Arsenal, será que é séria a história do Ponte Preta?, entrar na net pra confirmar a tal suspensão, e pra perder tempo também, claro, o inconfessável, glad to know you know you interest me, my friend, that’s not even a confession, you already know that, já o disse tantas vezes, i-do-care-about-you, e assim, com todas as letras, embora em inglês, e o meu professor, que estudou lingüística e tal, disse que there are some things we don’t say in our mother tongue because they’d sound much stronger and closer to ourselves if we did, algo assim, que eu já sabia, consciente, subconsciente ou inconscientemente, aliás, disfarçar covardias com conhecimentos lingüísticos, que coisa, se o tamanho do meu medo é diretamente proporcional ao do meu interesse por idiomas, falando nisso, para que os franceses possam evitar seus medos em português, assinem, s’il vous plaît, e a coincidência, mais uma, de uma das minhas cores favoritas

Gregorovius suspirou. Todo mundo suspirava quando ela fazia alguma pergunta. Horacio, mas sobretudo Etienne, porque Etienne não somente suspirava como também bufava, berrava e a chamava de estúpida. “É tão violeta ser ignorante”, pensou a Maga, ressentida. Sempre que alguém se escandalizava com suas perguntas, uma sensação violeta, uma massa violeta a envolvia por um momento. Tinha de respirar profundamente e o violeta se desfazia, voando para longe, como os peixes, dividindo-se numa multidão de losangos violeta, uns pequenos barris nos subúrbios de Pocitos, o verão nas praias, manchas violeta contra o sol e o sol se chamava Ra e também era egípcio como Pascal. Já quase não se importava com os suspiros de Gregorovius; depois de Horacio, pouco se importava com os suspiros de alguém quando fazia alguma pergunta, mas isso não impedia, de qualquer modo, que continuasse a ficar com uma mancha violeta diante dos olhos, durante um momento, e também com vontade de chorar, algo que durava apenas o tempo de sacudir o cigarro com aquele gesto que estraga irresistivelmente os tapetes, supondo-se que existam.

(Quanto aos prejuízos acadêmicos, reitero a plena confiança de que nossos alunos e nossos servidores docentes e técnico-administrativos saberão compensar a suspensão de atividades com sua dedicação e competência.)
(traduções: 01. “care”, segundo o Longman, “achar que alguma coisa é importante, de modo que você se interessa por ela, se preocupa com ela, etc.”, “preocupar-se com o que acontece com alguém, porque você gosta desta pessoa ou a ama”; 02. “daddy” todo mundo sabe – curioso é eu não o chamar de “papai”, a teoria mencionada pelo meu professor deve estar certa, pelo visto; 03. querido professor de inglês, embora ele tenha dito que não torce para o Arsenal; 04. o trecho todo, inclusive com as passagens já em portguês, para não ficar tão truncado: fico feliz em saber que você sabe que você me interessa, meu amigo, isso não é nem mesmo uma confissão, você já sabe disso, já o disse tantas vezes, eu-me-importo-sim-com-você, e assim, com todas as letras, embora em inglês, e o meu professor, que estudou lingüística e tal, disse que há algumas coisas que não dizemos na nossa língua materna porque elas soariam muito mais fortes e mais próximas de nós mesmos se o fizéssemos; 05. o óbvio do “por favor” em francês)
(créditos: a Julio Cortázar e a Claudio Gomide)