o cúmulo
o ápice da doença, tomara que a cura venha logo em seguida, então, o dia no sofá intensificando tanto desconforto, maldição
(você já teve pneumonia, tem mais chance de morrer se pegar de novo do que quem nunca teve, besteira, crendice popular)
(você já teve pneumonia, tem mais chance de morrer se pegar de novo do que quem nunca teve, besteira, crendice popular)
O marquês não se confiou a Deus, mas a tudo o que lhe desse alguma esperança. Na cidade havia outros três médicos formados, seis boticários, onze barbeiros sangradores e um sem-número de curandeiros e mestres em feitiçaria, embora nos últimos cinqüenta anos a Inquisição tivesse condenado mil e trezentos a diferentes penas e queimado sete na fogueira. Um jovem médico de Salamanca abriu a ferida fechada de Sierva María e pôs-lhe umas cataplasmas cáusticas para extrair os humores rançosos. Outro tentou a mesma coisa com sanguessugas nas costas. Um barbeiro sangrador lavou a ferida com a urina dela própria e outro a fez bebê-la. Ao fim de duas semanas ela havia suportado dois banhos de ervas e duas lavagens emolientes por dia, e levaram-na à beira da agonia com cozimentos de antimônio natural e outros filtros mortais.
A febre cedeu, mas ninguém ousou proclamar que a raiva estivesse conjurada. Sierva María sentia-se morrer. A princípio resistia com o orgulho intacto, mas após duas semanas sem nenhum resultado tinha uma úlcera de fogo no tornozelo, a pele escaldada por sinapismos e vesicatórios, e o estômago em carne viva. Passara por tudo: vertigens, convulsões, espasmos, delírios, solturas de ventre e de bexiga, e se retorcia no chão uivando de dor e de fúria. Até os curandeiros mais afoitos a abandonaram à própria sorte, convencidos de que estava louca ou possuída pelos demônios. O marquês já tinha perdido todas as esperanças, quando apareceu Sagunta com a receita de Santo Huberto.
Foi o final. Sagunta se desfez de seus lençóis e se besuntou com ungüentos de índios para esfregar seu corpo no da menina nua. Esta resistiu de pés e mãos apesar de sua fraqueza extrema, e Sagunta a submeteu à força. Bernarda ouviu de seu quarto a gritaria demente. Correu para ver o que acontecia e encontrou Sierva María esperneando no chão, e Sagunta em cima dela, envolvida na maré de cobre da cabeleira e ululando a oração de Santo Huberto. Chicoteou ambas com as cordas da rede. Primeiro no chão, as duas encolhidas pela surpresa, e depois perseguindo-as pelos cantos até que lhe faltou fôlego.
(créditos: Gabriel García Márquez, o Gabo)
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