quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006

Por aí

Amigos também são pra essas coisas, acordar você às sete da manhã sabendo que você não dorme antes das três, convencer você a fazer mais de uma hora de caminhada sabendo que você não se move a menos que seja extremamente necessário e... tornar o seu dia mais longo e produtivo.

(muito obrigada, Nê – pode fazer disso rotina, acho que não me importo)

Tinha outra vaga idéia para o post de hoje, tão sei-lá como de costume.

Algo como:

caminhada, trabalho, caminhada, pôr-do-sol, caminhada (que acabou não se concretizando), cinema (e chega de caminhada porque já é tarde e não dá pra voltar a pé sozinha pra casa)

Por um momento ergo os olhos e lá está o meu primeiro poema de Baudelaire (aqui, com tradução de Ivan Junqueira):

A UNE PASSANTE (A UMA PASSANTE)

La rue assourdissante autour de moi hurlait.
(A rua em torno era um frenético alarido.)
Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse, (Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa)
Une femme passa, d’une main fastueuse (Uma mulher passou, com sua mão suntuosa)
Soulevant, balançant le feston et l’ourlet; (Erguendo e sacudindo a barra do vestido.)

Agile et noble, avec sa jambe de statue.
(Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.)
Moi, je buvais, crispé comme un extravagant, (Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia)
Dans son oeil, ciel livide où germe l’ouragan,
(No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,)
La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.
(A doçura que envolve e o prazer que assassina.)

Un éclair... puis la nuit! – Fugitive beauté
(Que luz... e a noite após! – Efêmera beldade)
Dont le regard m’a fait soudainement renaître,
(Cujos olhos me fazem nascer outra vez,)
Ne te verrai-je plus que dans l’éternité? (Não mais hei de te ver senão na eternidade?)

Ailleurs, bien loin d’ici! trop tard! jamais peut-être!
(Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!)
Car j’ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
(Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,)
O toi que j’eusse aimée, ô toi qui le savais! (Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!)

Mas eis que o fim do dia muda tudo:

cinema com a tia Tê – II, menos expectativas, mais resultados desta vez


A sinopse não anuncia muita coisa além das personagens que se trombam (e aí o “crash”) ao longo da história. Apenas a menção de detalhes como cor da pele e nacionalidade nos indica que toparemos com os “velhos” temas do racismo e do preconceito social.

Mas, confiem em mim, isso está no filme, não é o filme.

É claro que, tecnicamente falando, temos também “o de sempre”, narrativa fragmentada, flashback, personagens que se entrecruzam por acaso, destino ou o-que-seja (vontade catártica dos roteiristas?)...

O que fica é a idéia pela qual, ao meu ver, toda essa “superestrutura” foi criada:

Não existem Brancos.

Não existem Negros.

Não existem Ricos.

Não existem Pobres.

Não existem Bons.

Não existem Maus.

Existem Pessoas.

Antes de que venham as pedras, devo dizer que também posso pressentir, embora somente pressentir, afirmar que compreendo seria ousadia, os perigos desse caminho. Não me julguem mal, pior, não julguem mal o filme por causa dessa afirmação um tanto quanto arriscada. Não se trata de uma simples anulação da diferença e de uma conseqüente pregação da igualdade. Não no sentido mais “fácil”, pelo menos. Difícil falar sobre isso quando não se tem toda uma linguagem e uma bagagem políticas, sociológicas, antropológicas, filosóficas e-por-aí-vai. Coitadas das minhas, que quero poéticas.

O filme fala melhor por si próprio:

(Officer Ryan) You think you know who you are? ::Officer Hanson nods.:: You have no idea. [(Policial Ryan) Você acha que sabe quem você é? ::Policial Hanson balança a cabeça afirmativamente.:: Você não tem idéia.]

Ou, na minha opinião, a melhor de todas, clímax final de uma história com mais de um clímax, para mim, o resumo ideal do filme, sua “idéia principal” colocada na boca de uma das personagens:

(Officer Hanson) Something else funny? [(Policial Hanson) Alguma outra coisa engraçada?]
(Peter) ::laughing:: People, man... People. [(Peter) ::rindo:: As pessoas, cara... As pessoas.]


Sim, as pessoas são engraçadas...

No bom e no mau sentido, se é que vocês me entendem.

Vejam o filme (que aqui no Brasil se tornou Crash – no limite). Vale a pena.

E esqueçam esse meu falatório todo. Fiquem (sem ofensa, claro) com uma única frase:

(Graham) Fuck you very much. Thanks for thinking of me. [tradução difícil, mas também desnecessária, já que o jogo entre “thank you very much” e “fuck you very much” é bastante óbvio – falando em tradução, estou apenas acatando uma sugestão (a propósito, thank you very much, Rafa, thank you very much, Amanda!)]

Trocadilho genial, não? E útil também, penso eu. ;)

(créditos já parcialmente indicados, mas não custa reforçar: Charles Baudelaire, Ivan Junqueira, Paul Haggis e Robert – ou Bobby – Moresco)