domingo, 12 de novembro de 2006

Da madrugada

“A sexta-feira amanheceu morna e seca. O Juiz Arcadio, que se vangloriava de fazer amor três vezes por noite desde que o fizera pela primeira vez, rebentou naquela manhã os cordões do mosquiteiro e caiu no chão com sua mulher no momento supremo, enredados os dois na cortina de renda.

- Deixe assim. - murmurou ela. - Depois eu ajeito.

Surgiram completamente nus por entre as confusas nebulosas do mosquiteiro. O Juiz Arcadio foi ao baú apanhar umas cuecas limpas. Quando voltou, sua mulher já estava vestida, pondo o mosquiteiro em ordem. Passou sem olhá-la, e sentou-se do outro lado da cama para calçar os sapatos, a respiração ainda alterada pelo esforço do amor. Ela o perseguiu. Encostou em seu braço o ventre redondo e tenso e lhe mordeu a orelha. Ele a afastou com suavidade.

- Deixe-me quieto. - disse.

Ela soltou uma gargalhada cheia de boa saúde. Acompanhou o marido até o outro extremo do quarto, tocando-lhe os rins com os indicadores. “Anda, burrinho”, dizia. Ele deu um salto e lhe afastou as mãos. Ela o deixou em paz e voltou a rir, mas de repente ficou séria e gritou:

- Jesus Cristo!

- Que foi? - perguntou ele.

- A porta ficou aberta de par em par. - gritou. - Já é muita falta de vergonha.

Entrou no banheiro às gargalhadas.”

Trecho de O veneno da madrugada, cujo título original é La mala hora – preciso terminar de ler pra ver se entendo o porquê dessa tradução... Pena que não vou conseguir antes de ver o filme, amanhã, ou segunda, não sei.

(créditos: Gabriel García Márquez, em tradução de Joel Silveira)

P.S.: Happy birthday to you, Rê!... :)