Mais que um par de tetas
Visto no cinema, quando eles ainda eram no centro da cidade, antes dessas modas de cinema-no-shopping e igrejas-universais-nos-prédios-antigos, meu terceiro colegial, meus dezessete anos, poucos meses a mais do que Esteban!, meu primeiro ou segundo Almodóvar, coisas de que não se esquece, apesar de eu não me lembrar se já havia assistido a Carne trêmula ou não, agora mais uma boa lembrança para a lista, tê-lo visto novamente com você, minha amiga.
Infelizmente, não conheço nem All about Eve, e mantenho o título original por razões óbvias, nem Música para camaleões, “Cuando Dios le entrega a uno un don, también le da un látigo; y el látigo es únicamente para autoflagelarse.”, nem Um bonde chamado desejo, “Quienquiera que seas, siempre he confiado en la bondad de los desconocidos.”, e cito em espanhol por causa do filme, então deixo minha mania de intertextos um pouco de lado desta vez, vejamos sobre o que mais posso escrever.
As curiosidadezinhas de sempre, ele de azul e ela de vermelho lado a lado no sofá, “cores de Almodóvar, cores de Frida Kahlo, cores”, a cena que se fecha em um close sobre o lado esquerdo do peito do transplantado, uma quase repetição da cena farmácia-tarde-da-noite de Ata-me!, Agrado dizendo que nem o Pitanguy teria feito um serviço tão bom quanto o que Manuela fez ao cuidar das feridas de seu rosto, Manuela estar em outro cômodo e ainda assim saber que Rosa estava prestes a mexer no caderno de notas de Esteban...
E, como não poderia deixar de ser, as citações, minha parte favorita desses posts meio sem pé nem cabeça:
(Manuela) Huma es un nombre muy bonito.
(Huma) Humo es lo único que ha habido en mi vida.
(Manuela) Yo no soy puta. Me han jodido mucho en la vida, pero nunca he sido puta.
(Manuela) Lola tiene lo peor de un hombre y lo peor de una mujer.
Acho que me lembro da reação das pessoas no cinema ao trecho abaixo, ou talvez seja só uma falsa memória, vai saber:
(Manuela) Las mujeres hacemos cualquier cosa con tal de no estar solas.
(Rosa) Las mujeres somos más tolerantes, pero eso es bueno.
(Manuela) Somos gilipollas, y un poco bolleras.
Manuela é mesmo capaz de umas frases, e de uns atos, eu nunca tinha visto alguém ser chamado de epidemia antes, essa coisa de você-não-é-um-ser-humano ainda vai, mas epidemia, que seja, ela tem razão ao menos em uma afirmação, a de que mãe não se escolhe, ainda assim, a de Rosa conseguiu me comover na passagem que segue, pobre mãe, pobre filha:
(Rosa, la madre) Rosa, no sé que hacer. ¿Qué esperas tú que haga?
(Rosa, la hija) Nada, mamá.
(Rosa, la madre) ¿No esperas nada de mí?
É claro que vou terminar isto aqui com as palavras finais do próprio Almodóvar no filme, mas antes quero pagar meu tributo à personagem que mais me cativou nesta segunda vez que a vejo, a travesti Agrado, impecavelmente interpretada por uma mulher, detalhe que eu desconhecia e que me surpreendeu, Antonia San Juan, vale a pena até mencionar o seu nome, já que dos da Cecilia Roth, da Marisa Paredes e da Penélope Cruz todo mundo se lembra, há várias frases que adoraria citar, não o faço porque a falta de legendas torna meu trabalho mais complicado, quem sabe numa próxima vez, o famoso monólogo dela encontrei em um outro blog e o transcrevo parcialmente e parcialmente modificado, coisa de pontuação de acordo com o que me lembro do ritmo da cena:
(Agrado) Me llaman La Agrado. Porque toda mi vida solo he pretendido hacerle la vida agradable a los demás. Además de agradable, soy muy auténtica. Miren que cuerpo. Todo hecho a medida. [aqui ela faz a “contabilidade” de seu corpo, pulo para poupar espaço e para me poupar, meu espanhol não dá conta de tanta tradução] Bueno, lo que les estaba diciendo, que cuesta mucho ser auténtica, señora, y en estas cosas no hay que ser rácana, porque una es más auténtica cuanto más se parece a lo que ha soñado de si misma.
Merece destaque, não merece? E eu preciso rever minha própria autenticidade com urgência, então. O texto final, uma espécie de posfácio-dedicatória, belíssimo:
(Almodóvar) A Bette Davis, Gene Rowland, Romy Schneider... A todas las actrices que han hecho de actrices, a todas las mujeres que actúan, a los hombres que actúan y se convierten en mujeres, a todas las personas que quieren ser madres. A mi madre.
[traduções, só as menos óbvias desta vez: 1. látigo = chicote; 2. humo = fumaça (humos = presunção); 3. gilipollas = palerma; 4. bollera = lésbica; 5. rácana = pão-dura]
(e tampouco conheço de fato Bodas de sangue, a peça do Lorca que Huma está ensaiando ao final do filme, mas tenho as minhas lembranças dela como Manuela tem as suas de Um bonde..., minha amiga doida Rô e eu tornadas sogra e nora em um sketch, primeira e única vez em que pisei num palco, trabalho para encontrar a voz, a postura, o vestido, faríamos tudo de novo, tenho certeza, só precisaríamos decorar as falas novamente, porque, ao contrário de Manuela...)
Infelizmente, não conheço nem All about Eve, e mantenho o título original por razões óbvias, nem Música para camaleões, “Cuando Dios le entrega a uno un don, también le da un látigo; y el látigo es únicamente para autoflagelarse.”, nem Um bonde chamado desejo, “Quienquiera que seas, siempre he confiado en la bondad de los desconocidos.”, e cito em espanhol por causa do filme, então deixo minha mania de intertextos um pouco de lado desta vez, vejamos sobre o que mais posso escrever.
As curiosidadezinhas de sempre, ele de azul e ela de vermelho lado a lado no sofá, “cores de Almodóvar, cores de Frida Kahlo, cores”, a cena que se fecha em um close sobre o lado esquerdo do peito do transplantado, uma quase repetição da cena farmácia-tarde-da-noite de Ata-me!, Agrado dizendo que nem o Pitanguy teria feito um serviço tão bom quanto o que Manuela fez ao cuidar das feridas de seu rosto, Manuela estar em outro cômodo e ainda assim saber que Rosa estava prestes a mexer no caderno de notas de Esteban...
E, como não poderia deixar de ser, as citações, minha parte favorita desses posts meio sem pé nem cabeça:
(Manuela) Huma es un nombre muy bonito.
(Huma) Humo es lo único que ha habido en mi vida.
(Manuela) Yo no soy puta. Me han jodido mucho en la vida, pero nunca he sido puta.
(Manuela) Lola tiene lo peor de un hombre y lo peor de una mujer.
Acho que me lembro da reação das pessoas no cinema ao trecho abaixo, ou talvez seja só uma falsa memória, vai saber:
(Manuela) Las mujeres hacemos cualquier cosa con tal de no estar solas.
(Rosa) Las mujeres somos más tolerantes, pero eso es bueno.
(Manuela) Somos gilipollas, y un poco bolleras.
Manuela é mesmo capaz de umas frases, e de uns atos, eu nunca tinha visto alguém ser chamado de epidemia antes, essa coisa de você-não-é-um-ser-humano ainda vai, mas epidemia, que seja, ela tem razão ao menos em uma afirmação, a de que mãe não se escolhe, ainda assim, a de Rosa conseguiu me comover na passagem que segue, pobre mãe, pobre filha:
(Rosa, la madre) Rosa, no sé que hacer. ¿Qué esperas tú que haga?
(Rosa, la hija) Nada, mamá.
(Rosa, la madre) ¿No esperas nada de mí?
É claro que vou terminar isto aqui com as palavras finais do próprio Almodóvar no filme, mas antes quero pagar meu tributo à personagem que mais me cativou nesta segunda vez que a vejo, a travesti Agrado, impecavelmente interpretada por uma mulher, detalhe que eu desconhecia e que me surpreendeu, Antonia San Juan, vale a pena até mencionar o seu nome, já que dos da Cecilia Roth, da Marisa Paredes e da Penélope Cruz todo mundo se lembra, há várias frases que adoraria citar, não o faço porque a falta de legendas torna meu trabalho mais complicado, quem sabe numa próxima vez, o famoso monólogo dela encontrei em um outro blog e o transcrevo parcialmente e parcialmente modificado, coisa de pontuação de acordo com o que me lembro do ritmo da cena:
(Agrado) Me llaman La Agrado. Porque toda mi vida solo he pretendido hacerle la vida agradable a los demás. Además de agradable, soy muy auténtica. Miren que cuerpo. Todo hecho a medida. [aqui ela faz a “contabilidade” de seu corpo, pulo para poupar espaço e para me poupar, meu espanhol não dá conta de tanta tradução] Bueno, lo que les estaba diciendo, que cuesta mucho ser auténtica, señora, y en estas cosas no hay que ser rácana, porque una es más auténtica cuanto más se parece a lo que ha soñado de si misma.
Merece destaque, não merece? E eu preciso rever minha própria autenticidade com urgência, então. O texto final, uma espécie de posfácio-dedicatória, belíssimo:
(Almodóvar) A Bette Davis, Gene Rowland, Romy Schneider... A todas las actrices que han hecho de actrices, a todas las mujeres que actúan, a los hombres que actúan y se convierten en mujeres, a todas las personas que quieren ser madres. A mi madre.
[traduções, só as menos óbvias desta vez: 1. látigo = chicote; 2. humo = fumaça (humos = presunção); 3. gilipollas = palerma; 4. bollera = lésbica; 5. rácana = pão-dura]
(e tampouco conheço de fato Bodas de sangue, a peça do Lorca que Huma está ensaiando ao final do filme, mas tenho as minhas lembranças dela como Manuela tem as suas de Um bonde..., minha amiga doida Rô e eu tornadas sogra e nora em um sketch, primeira e única vez em que pisei num palco, trabalho para encontrar a voz, a postura, o vestido, faríamos tudo de novo, tenho certeza, só precisaríamos decorar as falas novamente, porque, ao contrário de Manuela...)
(ah, claro, a coincidência de eu também querer escrever todo sobre mi madre, talvez também algo sobre mi abuela, um dia)
(créditos: Truman Capote, Tennessee Williams, Adriana Calcanhotto e Pedro Almodóvar)
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